Ernesto Rodrigues Interview

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Objetivos: Estudo sobre a prática artística no formato Filme-Concerto, em Portugal.
Pretende-se com a entrevista um estudo sobre os métodos de trabalho/processo criativo utilizados pelos músicos na relação entre a imagem e o som, e novas formas de relacionar a música e o cinema.

Gonçalo Barros - Descreva brevemente o percurso pessoal na música e/ou de outra área de atividade, por exemplo, outro tipo de relações entre a música e a dança ou o vídeo.

ER - Começo por frequentar a Academia de Amadores de Música, o Conservatório Nacional (curso de Violino) e mais tarde o Curso de Jazz do Hot Club de Portugal. Com atividade pública desde os anos 70, acompanhei músicos como Zeca Afonso, Fausto Bordalo Dias, Jorge Palma, etc. Em finais dos anos 70 começo a dedicar-me exclusivamente à improvisação. Neste campo tenho-me relacionado mais assiduamente com dança, cinema, vídeo, teatro, artes plásticas etc.

GB - Quando começou a trabalhar no formato Filme-Concerto?

ER - Na década de 80.

GB - Quantos e quais os Filmes-Concertos que já compôs e atuou? Nomeadamente, o nome do filme, local, o ano, o número de músicos que participaram e os instrumentos utilizados.

ER - De memória:


1- “Metropolis” de Fritz Lang, Teatro do Nosso Tempo, 1989, Duo – Violino e Rádio.


2- “O Homem da Câmara de Filmar” de Dziga Vertov, Associação Abril em Maio, 2003, Quarteto - Violino, Violoncelo, Contrabaixo e Gira-Discos.


3- “Vampyr” de Carl Dreyer, Celeiro Bar, Açores, 2003, Duo – Violino e Electrónica.


4- “Lulu” de Georg Wilhelm Pabst, Cancelas da Doca Bar, Açores, 2003, Trio – Viola d’Arco e Electrónica, Guitarra Acústica e Didgeridoo.


5- “Greed” de Erich von Stroheim, Casa do Povo de S. Caetano, Açores, 2005, Trio – Violino, Trompete e Percussão.


6- “La Jetée” de Chris Marker, Associação Bacalhoeiros, 2007, Orquestra (Variable Geometry Orchestra).


7- “Tokio March” de Kenji Mizoguchi, O Século - Centro Cultural, 2008, Duo – Violino e Electrónica.


8- “O Vento” de Victor Sjöström, Fábrica Braço de Prata, 2008, Quinteto - Violino, Saxofone Alto, Clarinete, Guitarra Eléctrica e Contrabaixo.


9- “O Testamento do Dr. Caligari” de Robert Wiene, Abrantes, 2009, Quinteto – Violino, Violoncelo, Guitarra Eléctrica, Tube e Percussão.


10- “Nosferatu” de Friedrich Wilhelm Murnau, 9500 Cineclube S. Miguel, Açores, 2011, Quarteto – Viola d’Arco, Flauta, Guitarra Eléctrica e Contrabaixo.


11- “Berlin, Sinfonia de uma Cidade” de Walter Ruttmann, 9500 Cineclube S. Miguel, Açores, 2011, Quarteto – Viola d’Arco, Guitarra Eléctrica, Contrabaixo e Objectos Amplificados.


12- “Schastye” de Alexander Medvekine, 9500 Cineclube S. Miguel, Açores, 2012, Quinteto – Violino, Flauta, Guitarra Eléctrica, Contrabaixo e Percussão.


GB - Em relação à narrativa fílmica, existem diferentes abordagens sonoras por parte dos músicos. No formato Filme-Concerto, eles fazem a opção musical que tanto pode envolver a adaptação de trechos adequados à ação, silêncio, ilustrações sonoras (o que se ouve é o que se está a ver), improvisação livre, entre outras. Como relaciona o som e a imagem? Descreva o processo criativo.

ER - No meu caso, como me dedico à improvisação livre, estou bastante habituado a ser estimulado por tudo o que ocorre à minha volta em tempo real. Basicamente, o filme é para mim mais um elemento (como se tratasse de mais um músico). Os estímulos musicais, visuais, espaciais, sonoros (ruído, silêncio), etc., tornam-se assim elementos integrantes da composição instantânea.

GB - Há influências musicais e/ou cinematográficas na vossa criação?

ER - É claro que todos nós estamos sujeitos a todas essas influências. Consciente ou inconscientemente.

GB - Qual o efeito que um concerto vosso deverá provocar na narrativa fílmica? Quais têm sido as reações, nomeadamente, do público?

ER - Apesar da subjetividade, o que se tenta é acompanhar o ritmo dos eventos que ocorrem na tela com certa coerência. O cinema é Imagem em movimento. A música é Som distribuído ao longo do Tempo. A fotografia é Luz. A Luz confunde-se com o Som. E tudo se passa no mesmo Espaço. No fundo tento que estas quatro “categorias” se diluam durante a projeção – Luz, Som, Tempo e Espaço.

GB - Indique o número de espectadores para cada Filme-Concerto. Caso não tenha a informação, transmita mais ou menos a perceção que teve ao nível de público na sala de espetáculo.

ER - Tanto quanto me recordo, as salas estavam praticamente cheias...

GB - Concorda com a designação Filme-Concerto? Cinema-Concerto? Propõe outra?

ER - Banda Sonora em Tempo Real.

GB - Quais são os maiores desafios neste tipo de trabalho? E o que lhe mais interessa neste tipo de trabalho?

ER - Como atrás referi, a improvisação livre é uma prática que assenta em “estimular” e “ser estimulado”. Como é óbvio, gosto imenso do desafio... E por vezes o resultado é surpreendente. Como a música casa na “perfeição” com a imagem na fruição do espetáculo.

GB - No futuro, quando for convidado, indique os caminhos onde gostaria de trabalhar no formato Filme-Concerto. Qual o futuro deste tipo de formato? Existem outras formas de relacionar a música e o Cinema?

ER - Uma experiência que gostaria de pôr em prática, é a da espacialização do som. Distribuir vários altifalantes pela sala (pelos lados, por cima e por baixo). Desta forma o público é invadido sonoramente de forma não habitual. Esta prática é usual na música erudita "contemporânea" (electroacústica e acusmática), mas talvez nunca vista em cinema...

Gonçalo Barros, November 2013