Ernesto Rodrigues Interview

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Leonor Arnaut – O que é improvisação livre para ti?

ER – Digamos que a improvisação para mim (e penso que te referes à improvisação musical), é algo de imperativo na minha vida. Vida é Arte e Arte é Vida (como afirmava Joseph Beuys). Não me imagino a fazer outra coisa.

LA– Achas que existe um som idiomático associado à improvisação livre?

ER – Essa problemática já foi anunciada há algumas décadas por Derek Bailey (no seu livro “Improvisations”). No que concerne a música livre improvisada (ao contrário de todas as outras tipologias musicais), penso que é a única que não é idiomática (corroborando a tese de Derek Bailey). Atrevo-me a ir ainda mais longe, entrando no universo da Escola de Frankfurt (Walter Benjamin e Theodor Adorno) se afirmar que é a única arte “não reprodutível”. A única que preserva realmente a sua Aura (tendo em conta a massificação da arte).

LA– Achas que é necessário/importante desenvolver técnica ou uma relação prévia com o instrumento para improvisar livremente?

ER – Embora a técnica possa por vezes ser um entrave (na improvisação livre), penso que sim. No meu caso, frequentei o Conservatório Nacional ao longo de vários anos.
Ainda que se trate de uma prática em que os músicos, o espaço, o público, etc, têm um papel determinante no curso e desenvolvimento da peça através de acções, reacções, estímulos, etc, a técnica (adquirida e imanente) pode ser um aliado muito valoroso.

LA– Como é que a improvisação livre se tornou um elemento importante na tua música?

ER – Depois de passar pela música clássica (primeira influência) e pelo Jazz, descobri a música improvisada aos 15 anos de idade. Daí para cá não me imagino a tocar outro tipo de música. Como atrás referi, é o cerne da minha vida.

LA– Achas que a improvisação pode ser praticada?

ER – Essa é uma questão muito pessoal. Tempos houve (há cerca de 25 anos) em que ensaiávamos exaustiva e regularmente. Na altura, praticava muito a improvisação estruturada (pautas gráficas, etc). No meu caso, não me revejo como tal. Além de desvirtuar a verdadeira essência da improvisação, caíamos em vícios e repetições que em nada contribuíam para o fluxo, autenticidade, fluidez e risco que caracterizam esta música e que a legitimam com única.

LA– Podes falar um pouco sobre o teu estudo? Como é que esse estudo se relaciona com as tuas performances de improvisação livre?

ER – Toco diariamente em casa. Se ao praticar “estudos” da escola clássica, estes me facultam uma consistência mais sólida e robusta, é mais no “fraseado” que insisto, invisto e concentro as minhas energias. Trata-se de um tipo de música onde a linguagem inerente - o cunho pessoal - é factor determinante. Cada músico tem a sua personalidade exclusiva, tal como no mundo vivido. É exactamente isso que confere ao artista um carácter individual, único (e aqui refiro-me às artes em geral).

LA– Tiveste educação académica em música? Se sim, qual é o papel da tua formação académica, na música que fazes hoje?

ER – Iniciei os meus estudos musicais aos 6 anos de idade com o maestro Wenceslau Pinto (padrinho do meu pai). De seguida frequentei a Academia dos Amadores de Música e posteriormente o Conservatório Nacional. Mais tarde, assisti regularmente a seminários assíduos com Jorge Peixinho e Emanuel Nunes (cerca de 10 anos). Não posso negar a robustez e segurança proporcionada por estas magníficas experiências. Muito profícuas no meu ser e que despoletaram e expandiram em mim um grande espírito criativo.

LA - Achas que faz sentido haver espaço nas escolas de música para a improvisação livre? Se sim, como seria esta relação?

ER – Penso que a Música (onde a improvisação é única e simplesmente mais uma disciplina do todo) deveria ser administrada nas escolas desde cedo, tal com a matemática, as letras, a história, a ética, o civismo, etc.
É uma convicção que reitero há longas décadas. Não concebo que algo tão “natural” e primordial como a improvisação esteja afastada dos meios académicos. Desenvolveria nos músicos capacidades intrínsecas e criativas muito mais acutilantes. A argúcia e o talento de mãos dadas... Assim estou convencido.

Leonor Arnaut, May 2020