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Começou
por tocar música popular, ao lado de Zeca Afonso, mas cedo se cansou
das limitações da música de massas e entregou-se
de corpo e alma à música experimental. Ao lado de gente
como Carlos Zíngaro ou Carlos Bechegas fez a história da
música improvisada em Portugal. Actualmente gere a editora Creative
Sources Recordings, que apesar da reduzida dimensão já editou
alguns dos mais importantes músicos europeus e já se tornou
uma referência da música improvisada mundial – apesar
de em Portugal ser quase desconhecida. Já tocou com músicos
de renome internacional como Tetuzi Akyiama ou Hans Koch e actua regularmente
em Lisboa apresentando uma variedade imensa de projectos onde a música
é concentrada à sua essência e surge livre como necessidade
vital. Se neste momento podemos dizer que há uma certa visibilidade
para a música improvisada em Portugal, muita da responsabilidade
é devida a este homem, improvisador e impulsionador, Ernesto Rodrigues.
Nuno Catarino - Estudou intensivamente com Emmanuel Nunes, um dos mais
importantes compositores de música contemporânea. Qual a
importância desta formação e em que medida estas noções
de composição se inserem no seu trabalho, habitualmente
afastado da música escrita?
Ernesto Rodrigues - Embora não seja óbvio, a influência
de Emmanuel Nunes enquanto compositor de música contemporânea
escrita é bastante significativa no meu trabalho. Mesmo quando
se improvisa, há uma gestão/estruturação de
materiais contínua em tempo real, e a minha formação
passa sem dúvida pela absorção de inúmeros
conceitos e métodos que intrinsecamente se ligam à sua fortíssima
personalidade musical e humana. Por outro lado, o universo da música
escrita é importantíssimo no meu quotidiano; aliás,
actualmente estou a ser orientado pelo compositor Pedro M. Rocha. Neste
momento estou a escrever uma peça para violino solo em que utilizo
a notação gráfica e musical do compositor alemão
Helmut Lachenmann…
Nuno Catarino - Numa
entrevista a Rui Eduardo Paes acusou o rock de ser vítima “do
poder do decibel como realidade opressora” e estabeleceu uma curiosa
relação entre “a prepotência das guitarras eléctricas
e o poder bélico americano”. É para se afastar que
está apostado em focar a sua produção musical na
aproximação ao silêncio?
Ernesto Rodrigues - A minha aproximação a essas realidades
mais recentes (near silence, lowercase, reducionismo, etc.), tem apenas
a ver com uma necessidade própria naturalmente assumida. Estou
convicto de que estes pressupostos serão culturalmente cada vez
mais requisitados. O nosso quotidiano é cada vez mais confuso e
desconcertante (no mau sentido)… A condição do Silêncio
é em si mesma subversiva.
Nuno Catarino - No
projecto Sexteto de Cordas apresentado há semanas ao vivo na Trem
Azul evidencia-se, para além da formação invulgar,
a inclusão de uma harpa no contexto experimental. Como surgiu a
ideia para este projecto?
Ernesto Rodrigues - A ideia nasceu por me ser particularmente agradável
a produção sonora de cordofones exclusivamente acústicos.
Penso num futuro próximo vir a incluir ainda uma viola da gamba
(passando assim a septeto). No que se refere à harpa, é
um instrumento que tem tido um papel activo desde o início na minha
orquestra VGO, bem como noutras formações.
Nuno Catarino - A Variable
Geometry Orchestra, projecto apresentado há dias na ZdB, é
um grupo de muitos (19/16?) músicos. Como se coordena esta música
e tantas personalidades distintas?
Ernesto Rodrigues - A experiência tem-me vindo a demonstrar que
é necessário gerir e dosear o equilíbrio entre a
tensão e o repouso. Em formações desta amplitude,
é extremamente fácil a forte tendência para excessos
e a consequente rápida instalação do caos sonoro.
Cabe-me a mim, como aglutinador deste projecto, assegurar a manutenção
da fluidez e contenção necessárias à fruição
do momento. A gestão dos egos, embora a priori pudesse parecer
complexa, felizmente não tem sido problemática, antes pelo
contrário, tem-se feito sentir um espírito de união
francamente saudável.
Nuno Catarino - Está envolvido em múltiplos
projectos. Para além dos grupos já referidos, com quem está
a trabalhar neste momento?
Ernesto Rodrigues - Nestas práticas, as formações
são também elas muito mais improvisadas do que o inverso.
Contudo, faço parte de um trio radicado em Madrid, com Wade Matthews
(clarinete baixo, flauta alto e electrónica) e Ingar Zach (percussão).
Ainda no passado mês de Novembro me apresentei no Atlantic Waves
Festival, Londres, com uma outra formação, em quinteto:
Angharad Davies (violino), Guilherme Rodrigues (violoncelo), Masafumi
Ezaki (trompete) e Alessandro Bosetti (saxofone soprano), grupo formado
para o evento em causa, mas que gostaria de manter para futuras ocasiões...
Só o tempo o dirá. Tudo o resto é fruto de encontros
esporádicos e a maior parte das vezes não programados, sendo
frequentemente convidado por músicos de diversas nacionalidades
que solicitam a minha colaboração.
Nuno Catarino - Nos
diversos projectos onde participa costuma colaborar com a mesma base de
músicos (José Oliveira, Manuel Mota, etc). São estes
os músicos com quem se identifica musicalmente em Portugal?
Ernesto Rodrigues - Embora tenha todo o prazer em tocar com a maior parte
dos músicos experimentais portugueses, na realidade são
estes os músicos com quem sinto maior segurança e me dão
mais garantias. Não descuro a minha intervenção como
dinamizador, função que me parece necessária e imprescindível
ser desempenhada com determinação, para que possam ser propiciadas
reais oportunidades de intervenção para músicos de
novas gerações, sem conhecimento de causa, e aí sim,
há de facto um risco porque entra o factor inexperiência;
mas penso que tem valido a pena…
Nuno Catarino - Trabalha
com o seu filho Guilherme há vários anos. Como se convence
um adolescente a tocar música experimental? Para além de
tocar com o pai, ele já tem ideias para algum projecto próprio?
Ernesto Rodrigues - O Guilherme está de facto ao meu lado já
há 7/8 anos… começou com 10! Não fiz força
alguma para o “convencer”. Foi a ver alguns dos meus concertos
e a escutar a música que se ouvia em casa que fizeram com que a
sua direcção fosse para aqui determinada. Mas foi uma escolha
própria, acho que a obrigação ou a imposição
da força dá sempre mau resultado… Já não
é a primeira vez que apresenta ao vivo (sem mim) algumas das suas
formações. Espero que essa tendência se verifique
cada vez mais frequente e regularmente.
Nuno Catarino - A editora
por si fundada, Creative Sources, começou como um pequeno projecto
para divulgar a sua própria música, mas entretanto já
lançou inúmeras gravações de músicos
europeus de renome. Como aconteceu esta evolução?
Ernesto Rodrigues - A Creative Sources nasceu de facto para responder
a uma forte carência em termos de mercado no que diz respeito à
existência de editoras que estejam abertas a financiar a edição
de músicos menos conhecidos e/ou até mais “arriscados”
em termos financeiros. Cheguei a um ponto em que se tornara imprescindível
a existência de uma editora que estivesse disposta a editar as minhas
peças. Fiz uma prospecção no mercado nacional, e
deparei-me com o vazio… Passado sensivelmente um mês nascia
a Creative Sources Recordings. Após ter editado quatro ou cinco
títulos, fiz um pequeno investimento com o intuito de chamar alguns
nomes (estrangeiros) mais sonantes e que me pareciam imprescindíveis
numa editora desta natureza. Correu bem, e a partir daí (como o
meio não é tão vasto quanto isso) palavra puxa palavra
e verificou-se um enorme interesse crescente por parte dos músicos
experimentais de todo o mundo em editar na Creative Sources. Após
essa fase, os custos passaram a ser partilhados entre mim e os músicos,
o que faz com que já tenha editado 54 CDs em 3 anos… O trabalho
gráfico é desempenhado pelo Carlos Santos, apoio sem o qual
tudo isto teria sido muito mais complicado. De momento está bem!
Vamos ver o que nos diz o futuro.
Nuno Catarino - Poderemos
dizer que o sucesso internacional da Creative Sources pode ser comparado
com o caso da Clean Feed (esta num quadro mais mainstream e com as devidas
diferenças)?
Ernesto Rodrigues - São de facto duas editoras nacionais a atravessar
um bom momento e com excelente reputação internacional.
Mas penso que há diferenças bem patentes entre estes dois
projectos editoriais. A Clean Feed é uma editora (e ainda bem para
eles) com um sucesso comercial bastante positivo, ao contrário
da Creative Sources. Com todo o respeito, as propostas estéticas
na Clean Feed não correm tantos riscos, logo, são selos
que ocupam espaços necessários mas também diferentes
(e aqui não tento estabelecer qualquer tipo de valorização).
De qualquer forma, em minha opinião, a Clean Feed e a Trem Azul,
(visto não conseguir desligar um projecto do outro) vieram ocupar
um lugar ímpar no panorama do desenvolvimento do Jazz em Portugal.
Devemos salientar muitas outras vertentes dessa mesma determinação
por eles levada avante, tais como, a edição dos mais importantes
músicos de jazz portugueses, a publicação de uma
revista bimestral da especialidade com bastante bom nível, um espaço
para os músicos apresentarem o seu trabalho, a organização
de importantes eventos, um programa de rádio, etc... A esta união
e congregação de esforços há que tirar o chapéu!
São duas editoras, uma dimensão.
Nuno Catarino - Apesar
de ter começado a tocar em 1978/79, só gravou em nome próprio
em 1997. Desde então tem editado com grande regularidade. Quais
são os planos a este nível para o futuro?
Ernesto Rodrigues - O facto de só ter editado em 97, prende-se
com as dificuldades acima mencionadas… Nestas músicas, a
produção discográfica é simples e rápida,
ou seja, quando tenho necessidade (e normalmente tem a ver com a recepção
a estrangeiros), basta-me ligar para o estúdio onde regularmente
gravo (onde tenho inegáveis vantagens!) e, se tudo correr bem,
em quatro horas tenho um CD gravado. Depois a pós-produção
é feita em casa. Enfim, neste momento tenho alguns CDs já
gravados prontos a editar… Para além de algumas participações
de músicos portugueses, um com Oren Marshall (tuba), outro com
Toshihiro Koike (trombone), outro com Hans W. Koch (electrónica),
outro com Jassem Hindi (clarinete), outro com Christine e Sharif Sehanaoui
(sax alto e guitarra), etc, etc, etc. E felizmente a Creative Sources
existe…
Nuno Catarino - Existe
mesmo actualmente uma “cena da nova música improvisada”
em Lisboa/Portugal.
Bom, um facto inegável é o interesse desde há longa
data demonstrado por pessoas em Portugal nestas áreas. Desde os
meus 15 anos (e já fiz 46!) que constato a existência de
um grupo de pessoas, ainda que restrito, que tocavam, dinamizavam, discutiam
e fomentavam algo que felizmente não veio a extinguir-se e que
de qualquer forma deu este resultado. Eu gosto de frisar este aspecto
na medida em que, por exemplo, aqui mesmo ao nosso lado em Espanha, este
era um fenómeno que não se verificava. Os espanhóis
até há bem pouco tempo, não tinham qualquer relevância
neste campo. Penso que de uma forma geral, hoje temos um leque interessante
de músicos que não envergonharia qualquer outro meio, e
no particular (sem referir nomes), ainda outros com nível de primeira
água… Cada vez mais são endereçados convites
a músicos portugueses para actuar no estrangeiro. Penso que isso
quer dizer qualquer coisa.
Nuno Catarino - Tendo
em consideração o panorama actual, como antevê o futuro
próximo da música “experimental” portuguesa?
Ernesto Rodrigues - Embora não me considere uma pessoa eminentemente
optimista, penso que há boas perspectivas de uma continuidade interessante
e exigente. Não por achar que em Portugal haja boas condições,
ou algo minimamente parecido, mas porque a Internet veio “encurtar”
imenso as distâncias. O mundo hoje é muito mais pequeno…
A hegemonia de cidades como Paris, Londres, Berlim ou Nova Iorque esfumou-se.
Já vamos na quarta geração de músicos experimentais
em Portugal. E alguns deles com mérito reconhecido fora de portas…
Por cá as sementes estão lançadas… e a criatividade
não tem limites…
Nuno
Catarino, December 2005
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