Dissection Room cs549

 

 

 

 

 

 

 

 

Quando um disco tem um título alusivo como “Dissection Room”, que nos remete de imediato para a frase em que Lautréamont descreve um rapaz como um «encontro ao acaso, numa mesa de dissecção, entre uma máquina de serrar e um guarda-chuva», está implícita a recusa de aceitar passivamente que a música seja, entre todas, a única arte não-representativa. Regra geral, não passa disso mesmo, de uma negação “post-factum” motivada pelo facto de vivermos num tempo de confluência dos sentidos, mas quando determinada obra tem uma qualidade imagética especialmente forte, mais parecendo um “zoom” sonoro sobre uma cena imaginária, não temos outro remédio senão admitir a existência de uma música que, afinal, tem mesmo características visuais.

O curioso é que essa representatividade é tão maior quanto mais abstractas forem as peças, num processo inverso ao das artes plásticas, que representam menos quanto menos figurativas são: a sala e a mesa de autópsias (de desconstrução analítica de um corpo) em questão, que são aquelas também em que o Dr. Frankenstein “montou” a sua criatura, juntam o trio formado por Albert Cirera, Abdul Moimême e Alvaro Rosso a uma anterior tentativa de fusão sinestésica, a dos Nurse With Wound em “Chance Meeting on a Dissecting Table of a Sewing Machine and an Umbrella”, com resultados muito diferentes – os implicados pelas matrizes de que os dois álbuns partem, um (o que acaba de ser editado pela Creative Sources) a da música livremente improvisada, o outro (o mais remoto, de 1979) do rock experimental, mas com uma semelhante abordagem “cinematográfica”. Digo cinematográfica porque os processos imaginantes do ser humano têm mais que ver com o cinema do que com qualquer outra disciplina artística, algo que já era verdade muitos milhares de anos antes de o cinema ter sido inventado.

No meio de todas as anteriormente descritas inversões de termos e parâmetros, “Dissection Room” acrescenta outras: a guitarra eléctrica preparada de Moimême tem um carácter surpreendentemente acústico, talvez porque as suas preparações (as grandes chapas que coloca sobre as cordas) quase obliteram a guitarra, enquanto os saxofones de Cirera mais parecem sintetizadores, raramente cumprindo aquilo que esperamos desses instrumentos. No contrabaixo, Rosso tem como função equilibrar este mundo às avessas, lembrando-nos que o que aqui está é música de câmara composta no próprio instante da sua interpretação, uma cozedura de carnes que junta o malvado Maldoror ao ingénuo Adam de Mary Shelley. Rui Eduardo Paes (Jazz.pt)

The Lisbon-based trio of Catalan sax player Albert Cirera, Portuguese prepared electric guitar player Abdul Moimême and Uruguayan double bass player Alvaro Rosso, also known as the AAA Trio, was established in 2015. The debut album of this trio was recorded live at the experimental space of Lisbon, O'Culto da Ajuda, on December 2017.

The title Dissection Room already suggests the approach of these fearless improvisers - a methodical exploration, deconstruction and reconstruction of various extended techniques, never surrendering to the known and the familiar. Cirera, Moimême and Rosso are seated and each on his own highly independent way investigates the uncharted, topographical organs of this free-improvised body of music. This kind of Frankenstein, mad sonic scientists approach promises an uncompromising, demanding and often otherworldly journey. But, somehow, as Stuart Broomer comments in his insightful liner notes (the notes are titled after John Dryden’s poem “A Song for Saint Cecilia’s Day”, the patroness of musicians), throughout the fragile and reserved interplay Cirera, Moimême and Rosso still communicate and weave a “shroud of harmonics, a transparent veil through which one another’s activities pass discreetly”. 

Cirera, Moimême and Rosso use different kinds of objects to alter and expand the sonic range of their instruments. Cirera injects objects into the bells of his tenor and soprano saxes and sketches fractured, percussive patterns, He also employs extended breathing techniques that introduce electric-ethereal drones. The prepared guitar of Moimême has nothing common with an electric guitar. It becomes an imaginative sonic lab with a vulnerable and tangible resonating entity. The extended bowing techniques of Rosso dig tortured sounds, and more tortured overtones and cries from the double bass, transforming it to an instrument with a seductive, human voice. Mid-piece, around the 28-minute mark, as Broomer adds, something happens, a sudden blackout, and the interplay instantly shifts to a nervous and urgent mode. From this moment on Cirera, Moimême and Rosso begin to build the climax, injecting more bizarre components, confront wild hallucinations and struggle with frightening colors and shades of this Frankenstein body of music. 

But when you dive deeper and deeper into this music, allowing your ears to grow to it, you may realize that this kind of Frankenstein music is highly addictive. Eyal Hareuveni (The Free Jazz Collective)