#00 cs360

 

 

 

 

 

 

 

 

Quando o disco começa, encontramos um trio de free jazz “à maneira”, mas depressa essa impressão se desfaz. O breve “Espontâneo #1” colapsa com uma erupção electrónica e o que vem logo a seguir é outra coisa: remete-nos para o paisagismo nórdico, com Fábio Almeida, o saxofonista, a contrapor um universo garbarekiano à anterior sonoridade-tipo de Ornette Coleman. “Córculo” também rapidamente passa, no entanto, e o que vem a seguir, com o sax electrificado e um “groove” funk, faz mais uma alusão, e desta vez a Michael Brecker. Por esta altura percebemos que o Phantom Trio está a brincar com as referências jazzísticas. E connosco. Mas esperem… Este “#00” é um disco da Creative Sources, uma das mais importantes editoras discográficas da “new school” da improvisação, certo? Certo. Isso só pode querer dizer que o humor, um humor algo distorcido (deverei dizer “sarcasmo”?), é aqui uma motivação bem urdida e encenada. “Colonel Meow”, que fica a rodar mais uns minutos do que as peças anteriores, transfigura-se numa espécie de free funk, recuperando um bocado do que tínhamos ouvido no início, e a coisa começa a aquecer.

Almeida, que já conhecia dos Pãodemónio e de uma associação com Hugo Carvalhais, e os seus parceiros, o contrabaixista Sérgio Tavares e o baterista João Martins, procuram, de qualquer modo, não ir logo para o vermelho. O segundo “Espontâneo” do alinhamento funciona como um pano fresco sobre uma testa já a arder em febre – é totalmente improvisado, é formalmente livre, mas é também calmante. E sossegada vem, mais adiante, a “Balada no Vazio”, decorrendo como uma perspectiva europeizada do mundo de Jimmy Giuffre. Só que, entretanto, o simples divertimento foi posto de lado. Isto é a sério e isto soa bem como o caraças. Logo depois, “Zimbro” surge em jeito de jazz-rock “unplugged”, com “riffs” irrequietos e uma cavalgada já sem rédeas. Almeida mostra novamente que é um músico de capacidades muito acima da média, mas o melhor mesmo é o solo de contrabaixo: Tavares está magnífico. Neste tema, o jogo das influências fica esquecido e entra-se mais pela música, sem piscadelas de olho. Em “Equívoco” está completamente definida a identidade Phantom, com os subsequentes “Lacrau” (em ritmo latino), “Espontâneo #3” (de abordagem geométrica) e “Magma” (preciosas, as tentativas de combater o fogo com o fogo por parte de Sérgio Tavares) a solidificarem-na. O disco tem como mote um poema de Bachelard sobre o tempo, e muito por causa destes versos: «There is no doubt that time could be reborn, / but first it needs to die.» Mensagem compreendida. Rui Eduardo Paes (Jazz.pt)