Flow Me cs376

 

 

 

 

 

 

 

 

Não terá sido incluída de propósito, mas uma frase que Manuel Guimarães diz no começo deste registo de piano a solo define muito bem a música que se vai propor. Pergunta ele quando a gravação já está a decorrer, e parecendo-lhe ouvir alguma coisa no estúdio: «Tem aí uma mosca.» Pois as peças que se vão sucedendo parecem seguir o voo irregular de um insecto – as tramas tomam várias direcções, mudando de tempos, de materiais e de focos, numa perspectiva assumidamente trans-idiomática. Este pianista, guitarrista e condutor de coros que tem desenvolvido a sua actividade em diversos domínios, do pop-rock à música improvisada (é, aliás, um dos poucos músicos portugueses que fizeram um mestrado sobre o tema da improvisação), passando pela clássica, pelo jazz e pela canção popular portuguesa, integra no seu pianismo elementos de todas essas origens, com relevo para as referências eruditas e jazzísticas.
O curioso neste “Flow Me” é o facto de que em nenhum momento Guimarães se detém nas linguagens-tipo da livre-improvisação, o que diz bem da sua atitude de desalinhamento e de desafio ao estereótipo. Por meio de um lirismo expressivo sem complexos, fica também assente uma especial característica de Guimarães: improvisa com um entendimento composicional, estruturando, criando formas, erguendo edifícios, ainda que estes sejam castelos de areia que ele próprio desfaz logo que concluídos, ou mesmo antes disso, para passar a outras situações tão construídas quanto efémeras. Há muito tempo que se esperava um disco que representasse bem a arte deste intrigante músico. Ei-lo finalmente. Rui Eduardo Paes (Jazz.pt)