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Os títulos dos temas são em Latim, o último referenciando-se em S. João, e no interior da capa o mote do que está no CD é dado poeticamente: «So that your servants may, / with loosened voices, / Resound the wonders of your deeds, / Clean the guilt from our stained lips, / O St. John.» Não é claro quem seja este S. João. É o Baptista, que os cânones dizem ter baptizado Jesus e escrito o Livro da Revelação? É o Evangelista? O mártir etíope? Não será importante para entender a música – o que esta tem de mais relevante é o facto de decorrer como uma suite, as sete partes (um número que o ocultismo conota com o Absoluto) conjugando-se num louvor a Deus. Cristão na aparência, se bem que das regras compositivas da música sacra cristã o que ouvimos só retém uma, o factor litúrgico.
A música improvisada é, pela sua própria natureza, profana, mas em “Hymn” cada som isolado e cada combinação dos instrumentos utilizados (clarinetes soprano e baixo, violoncelo, percussão) parecem medidos, intencionados, definitivos, como se se procurasse contrariar a efemeridade da improvisação, aquela que já por si foi fixada pelo registo do que Paulo Galão, Guilherme Rodrigues e Nuno Morão tocaram a 5 de Janeiro de 2016 no estúdio Scratch Built. Trata-se, também, de uma meditação pessoal e em conjunto, num ir-mais-além que é tão espiritual quanto orgânico, sobretudo quando se mimetiza a visceralidade funcional do corpo humano (oiça-se o clarinete em “Solve Polluti”, por exemplo). Os três músicos encontram na sua própria humanidade os motivos para este acto devocional, e nisso contrariam alguns dos postulados essenciais do cristianismo, ainda que não se afastem muito deste. Outro motivo mais terreno torna a escuta do que aqui vem imprescindível: se de há dois anos para cá Galão vem trocando frequentemente os clarinetes pelo saxofone tenor, neste disco encontramo-lo ainda com esses sopros, gravado na altura em que – para nossa felicidade – regressou em pleno à actividade musical, depois de alguns anos de (quase) ausência. REP (Jazz.pt) |