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O violoncelista alemão, residente em Portugal, Ulrich Mitzlaff fechou o ano com um novo disco em que leva ainda mais longe as pesquisas sonoras (e do seu instrumento) a que se tem dedicado, num curioso xadrez entre o conceptual e o improvisado. As duas peças de “Transparent” são, na verdade, a mesma, tocadas com perspectivas e instrumentação diferentes. Na primeira, é o violoncelo que acciona os objectos que ouvimos em primeiro plano, só mais adiante na peça sendo possível reconhecer o cordofone em causa. Mitzlaff como que salta por cima da ideia de “violoncelo preparado”, e não simplesmente para colocar as preparações em primeiro plano. O violoncelo serve, sobretudo, como “medium” para os resultados pretendidos, pelo menos até chegarmos a um equilíbrio entre o violoncelístico e o objectual, de tal modo que, sem vermos, não percebemos bem o que é do domínio de uma e da outra destas vertentes. Por fim, chegamos a um “droning” do violoncelo que parece ter várias camadas de gravação e algum processamento electrónico, mas de um modo impossível de confirmar seja pela nossa percepção como pela ausência de dados na ficha técnica.
O factor de invisibilidade (imaginante, inclusive) do que está a ser feito, a fim de manter o mistério da criação áudio em curso, é chave neste CD e, no entanto, trata-se de uma música em que sentimos o espaço de forma muito intensa. O que ouvimos, ouvimos claramente através do espaço, ou seja, com a moldagem deste. Mais uma vez, não há referência nem ao local onde o registo foi realizado nem em que condições. Não é um esquecimento: esta ausência de informação será intencional, servindo para dar ambiguidade à música e desconcerto a quem a ouve. A segunda faixa surge com um piano, instrumento com que nunca tínhamos ouvido Ulrich Mitzlaff actuar: ficamos com a sensação de que o dito está a ser manipulado num edifício fabril em ruínas. Esta versão alternativa do tema começa por estar centrada no piano, sem preparações nem articulações com objectos “simpáticos”, e se também ouvimos este “tocado” pelo espaço, Mitzlaff opta por uma identificação instrumental mais limpa e óbvia. As mutações vêm depois, mas desta vez são os objectos que agem como “medium” das explorações pianísticas. E não, não é o formato do piano preparado que surge: os objectos são usados nas cordas do interior do piano como fazem os guitarristas experimentais. Em suma, temos aqui aquele que é, talvez, o disco mais intrigante de 2020. Rui Eduardo Paes (Jazz.pt)
Known for collaborations with Portuguese musicians like Carlos Zingaro and his solo work, German cellist Ulrich Mitzlaff experiments with programmed electronics for cello and piano on this unique disc.
Perhaps as should be expected, despite clattering variables, the keyboard exposition is formalized, presented in a logical and horizontal manner until at mid-point dynamics change and staccato rebounds shatter the exposition into elevated pitches. Distinctively this creates a climax of stretched staccato string scratches following excursions and discursive digs into piano harp manipulation. Looser, the cello selection, that is slightly lengthier than the other track, exposes rasping and ratcheting string rebounds and scrubs from its beginning. As the exposition advances, it also breaks up into a mellow continuum layered with squeaky altissimo repetitions, making the wound strings quiver. As object-directed extensions quicken the pace, improvisations deflect to col legno smacks on unvarying metallic surfaces and pressurized whistles. With logical canniness though, Mitzlaff’s command of cello technique is such that the narrative is steadied by a near-unbroken ostinato. Solidified into a solid drone, the sound diminishes in increments into silence.
Although the nuts-and-bolts of how these fluorescent sound fibres are created are less than transparent, the disc confirms Mitzlaff’s openness to experimentation. It also makes one want to know how he will express this expanded textural freedom in group situations. Ken Waxman (Jazzword.com) |